O ampliamento do conceito de gênero na moda

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Negócios inovadores passam a prestar atenção em um público carente de produtos que acompanhem seus modos de pensar a questão do gênero

por Eduardo Biz capa Chloe Aftel (San Francisco Magazine)

A grande fábrica de tendências que se tornou a indústria da moda vem provocando um cansaço geral nas pessoas. O consumidor não tem tempo de acompanhar as novidades, e os criadores não conseguem gerar ideias novas em espaços tão curtos de tempo. Surge assim um interesse maior por peças clássicas e por uma neutralidade estética, capaz de migrar por diversas estações. Aliado a isso, acontece há um tempo na moda um movimento de inversão de códigos do vestuário masculino e feminino, quebrando normas pré-estabelecidas e antigas noções de gênero. Não se trata mais da apropriação do vestuário masculino pelo feminino ou vice-versa, mas sim de uma moda neutra, liberta de estereótipos, que propõe uma espécie de jogo ilusório interpretado por alguns como unissex.

O estilista britânico Richard Nicoll é conhecido por sua moda atemporal e clássica.
O estilista britânico Richard Nicoll é conhecido por sua moda atemporal e clássica.

São produtos — não só roupas — que desconectam o unissex daquela ideia de “básico”, propondo soluções de design que cumprem sua funcionalidade independente do gênero.

Design unissex na marca de cosméticos Fisix.
Design unissex na marca de cosméticos Fisix.
Enter Pronoun é uma linha de maquiagem unissex, lançada "para tempos em que ousadia, não-conformidade e aceitação se intersectam”.
Enter Pronoun é uma linha de maquiagem unissex, lançada “para tempos em que ousadia, não-conformidade e aceitação se intersectam”.

Uma figura pública que incorpora esse espírito é a atriz Tilda Swinton. Seu estilo andrógino é admirado pela elegância e pelo minimalismo, mas isso não impede que uma vez ou outra ela surja também deslumbrante em vestidos tradicionalmente femininos. Tilda faz uma bolinha de papel com as expectativas de gênero e a arremessa certeira no cesto de lixo.

A inevitável adaptação do mercado de moda

Novos formatos de negócio começam a surgir no mundo todo, atendendo um público até então carente de roupas que acompanhassem seus modos de pensar a questão do gênero. É o caso da marca americana Wildfang, que se identifica como a primeira loja do mundo direcionada ao público tomboy. Mais do que qualquer interesse capitalista que possa haver na exploração desse nicho, o reconhecimento da existência desse público é motivo de celebração e prenúncio de um novo tempo.

Wildfang

Empresas que oferecem peças customizadas para pessoas não conformadas com seus gêneros estão ganhando visibilidade na indústria da moda, contribuindo para a redefinição dos parâmetros de identidade. Bindle & Keep, uma marca de alfaiataria masculina, passou a adaptar suas coleções para modelagens femininas graças ao empurrãozinho de Rachel Tutera. Ela conta que, quando vestiu roupas de menino pela primeira vez na pré-adolescência, viu no espelho a versão mais autêntica de si mesma. Porém, ser obrigada a comprar nas seções masculinas das lojas lhe causava insegurança: além da experiência humilhante, nada caia bem nas suas proporções. Disposta a mudar essa situação, ela convenceu os donos da Bindle & Keep de que eles estavam desatentos a uma poderosa clientela perdida no mercado.

Em 2012, Yves Saint Laurent escolheu a modelo Saskia de Brauw para estrelar a campanha de sua coleção masculina.

Ainda que a destruição do conceito de gênero seja uma questão nova ou ainda distante para a maioria da sociedade, o posicionamento vanguardista da moda começa a encontrar expressividade na mídia.

Em 2010, a Ford Models incluiu Casey Lecklord como integrante de seu casting masculino. Apesar de ainda exercer um papel feminino nas fotos, a modelo sinaliza avanço para a permeabilização das fronteiras do gênero.

Barneys
Barneys

Na campanha de verão 2014 da Barneys New York, dezessete modelos transgêneros foram clicados por Bruce Weber. As fotos mostram os modelos interagindo entre eles e também com seus familiares e animais de estimação. Nesta coleção, 10% da renda é doada para o National Center for Transgender Equality e para o New York’s LGBT Community Center.

Conchita

Em 2014, Conchita Wurst superou todas as estranhezas e preconceitos e venceu o Eurovision Song Contest, um show de talentos com alcance mainstream na Europa. Sua aparência feminina associada à barba chocou o público em um primeiro momento, mas sua vitória no Eurovision reflete a aceitação da mistura de gêneros incorporada por Conchita.

Yanis Marshall, Arnaud & Mehdi formam um trio de dançarinos que chegaram à final da edição 2014 do programa Britain’s Got Talent. De salto alto, eles se apropriam magistralmente — e com todo direito — de coreografias tradicionalmente executadas por mulheres.

2014, o ano trans

O gênero nunca foi tão debatido e estudado. Pela primeira vez na história, uma pessoa transgênera esteve na capa da revista Time, em junho de 2014: Laverne Cox, atriz conhecida por seu papel no seriado Orange Is The New Black. Sua atuação impecável também fez dela a primeira transgender indicada ao prêmio Emmy.

Time Laverne Cox

O bósnio Andrej Pejic ficou mundialmente conhecido por transitar entre passarelas femininas e masculinas, tornando-se um dos principais representantes da moda andrógina. Recentemente, declarou sua redesignação sexual e passou a se chamar Andreja.

Andreja Pejic Seja unissex, no-gender ou gender blender, a definição é apenas protocolo. Os pensamentos preconceituosos de uma esmagadora maioria estão começando a diminuir ao passo que a cultura contemporânea reconhece a urgência de uma nova consciência. Nos próximos anos, o conceito de gênero será gradualmente destruído.

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Acontece há um tempo na moda um movimento de inversão de códigos do vestuário masculino e feminino, quebrando normas pré-estabelecidas e antigas noções de gênero. Não se trata mais da apropriação do vestuário masculino pelo feminino ou vice-versa, mas sim de uma moda neutra, liberta de estereótipos, que propõe uma espécie de jogo ilusório interpretado por alguns como unissex.

Novos formatos de negócio começam a surgir no mundo todo, atendendo um público até então carente de roupas que acompanhassem seus modos de pensar a questão do gênero. Ainda que o ampliamento do conceito de gênero seja uma questão nova ou ainda distante para a maioria da sociedade, o posicionamento vanguardista da moda começa a encontrar expressividade na mídia: modelos transexuais, modelos femininas em castings masculinos, a primeira pessoa trangênera a sair na capa da revista Time.

Seja unissex, no-gender ou gender blender, a definição é apenas protocolo. Os pensamentos preconceituosos de uma esmagadora maioria estão começando a diminuir ao passo que a cultura contemporânea reconhece a urgência de uma nova consciência. Nos próximos anos, o conceito de gênero será gradualmente destruído.

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